segunda-feira, 5 de abril de 2010

Interpretação de texto

Texto: Rio abaixo, rio acima.


Suado depois da longa caçada, um deus banhou-se no rio. E, em recompensa pelo refrigério, cada minúscula gota do seu suor fez-se ouro. Ouro escorreu brilhante pelo corpo do deus, dourando a areia a seus pés, os pequenos seixos, as escamas dos peixes, os juncos da margens, e a água toda ao redor.
Assim aconteceu que o rio escorresse azul até aquele exato ponto, para tornar-se a partir dali cintilante como uma lâmina, corrente feita de tantos pequenos pontos preciosos, tantas minúsculas pepitas que revolteando e sem se esgotar fluíam rumo ao mar.
Atravessando o vale, a rica carga do rio chegou enfim a uma cidade. Passou debaixo da primeira ponte, atardou-se no remanso em que as lavadeiras lavavam roupas. Mas antes que chegasse à Segunda ponte, os gritos delas haviam alertado a população, e enquanto tantos se lançavam às margens com baldes e panelas, uns poucos providenciavam pedras e tijolos, carroças e argamassa, para erguer uma barragem.
Não demorou muito, o rio estava represado. Agora nenhuma gota passaria dali. A riqueza estava presa. E cada cidadão passou a recolher diariamente sua parte, enchendo jarros, potes, tigelas e pratos fundo, abarrotando cofres e baús.
Os rios fluem de dia, e fluem de noite. E vendo a riqueza que não para de chegar, o homem mais rico da cidade começou a pensar que aquela gente toda já havia guardado ouro mais que suficiente para suas modestas necessidades, e que ele merecia Ter mais que os outros já que, mais que os outros, sabia multiplicá-lo.
Agiu em silêncio. Então uma noite, enquanto todos dormiam, o rio deixou de correr. E na manhã seguinte, os que haviam dormido viram que nada escorria entre as margens.
O homem rico havia represado o rio acima da cidade,. E agora estava ainda mais rico, porque o ouro que fluía até a barragem era todo seu.
- Por que só dele, se é nosso pai? – perguntaram-se os filhos do homem rico. – Por acaso não temos os mesmos direitos, nós que temos o mesmo sangue?
Providenciaram pás e picaretas, cordas e roldanas, encilharam mulas. E partiram, rio acima.
Só pararam bem além da represa do pai. Ali, juntos,ergueram uma outra barragem.
Vendo esgotar-se seu fluxo de riqueza, o comerciante pôs as mãos na cabeça e, dirigindo-se à praça do mercado, começou a gritar em altos brados.
- Irmãozinhos meus, concidadãos!. Eu, que só queria o bem, fui roubado pelos meus próprios filhos!
Assim gritava, enquanto pessoas assomavam às janelas, e alguns passantes se juntavam ao seu redor.
- Represei o rio para erguer um lindo monumento de ouro na cidade – gritou ainda, tratando de estremecer a voz como se estivesse a beira do pranto. E meus filhos quiseram ficar com o rio só para eles.
Entre os que ouviam, alguns, percebendo uma boa ocasião de recuperar a riqueza perdida, concordaram em subir com ele rio acima.
Andaram, andaram e chegaram à barragem do homem rico, onde os peixes dourados morriam na lama dourada.
Seguiram. Andaram, andaram e chegaram à barragem dos filhos do homem rico, onde a água brilhava roubando a luz do sol.
Seguiram. Mas não andaram muito. Porque alguns metros acima viram que a água era azul e transparente, e branca a areia do fundo sobre a qual nadavam peixes coloridos. Não havia ali nem o mais minúsculo ponto de ouro, daquele ouro que parecia surgir do nada, bem junto à barragem dos filhos do homem rico.
Nem assim hesitaram. Pouco antes do ponto em que o deus se havia banhado, ergueram sua barragem. Se eles não podiam ficar com aquela riqueza, ninguém ficaria.
E o rio perdeu sua força metálica, devolveu a luz ao sol. Esquecido do mar, aquietou-se atrás de pedras e tijolos, espraiou-se largo e sereno como um lago.
Os homens voltaram à cidade. Sem ouro. Sem rio.
E passado muito, muito tempo, outros homens, que não sabiam do ouro nem sabiam do rio, vieram com suas mulheres e filhos instalar-se à beira do lago. Construíram suas casas perto das margens. E porque havia tantos peixes e flores e garças sentiram-se ricos.

Marina Colasanti

1. Qual é o primeiro personagem que aparece no conto?
2. Qual é a importância dele?
3. Qual é a personagem que aparece com mais freqüência no conto?
4. O que há de comum entre o homem rico es seus filhos?
5. Os habitantes da cidade que represaram o rio possuem características diferentes das do homem rico e de seus filhos? Explique.
6. Quando o homem rico se dirigiu aos outros moradores da cidade, chamando-os de “irmãozinhos, meus concidadãos”, ele foi sincero ou não? Justifique.
7. Alguns moradores da cidade resolveram ajudá-lo porque acreditaram nele? Explique.
8. O conto “Rio abaixo, rio acima” revela uma necessidade muito comum entre as pessoas que dão excessivo valor aos bens materiais. Que necessidade é essa?
9. Que sentimentos são representado no texto? Assinale-os: Amor - Tristeza – Solidão . Ambição – Egoísmo – Saudade.
10. Que conseqüências podem trazer tais sentimentos, segundo o conto? Explique.

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